Por
isso, quem recusa sujeitar-se à autoridade opõe-se à ordem de Deus, e os que
fazem isso trarão condenação sobre si mesmos. Porque os governantes não são
motivo de temor para os que fazem o bem, mas sim para os que fazem o mal. Não
queres temer a autoridade? Faze o bem e receberás o louvor dela. Porque ela é
serva de Deus para o teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não é sem razão
que ela traz a espada, pois é serva de Deus e agente de punição de ira contra
quem pratica o mal. Por isso é necessário sujeitar-se a ela, não somente por
causa da ira, mas também por causa da consciência.
Romanos 13.2-5
O
que um servo deve fazer ao receber uma ordem do seu senhor? Só há uma resposta:
ele deve cumprir essa ordem. Se esse Senhor é o todo-poderoso, sábio e justo, Suas
ordens derivam de Sua natureza e elas têm essas mesmas características. Pois é
assim que Deus vê o Estado e os governantes, como um servo que deve cumprir as
Suas exigências. O texto do apóstolo Paulo é muito claro quanto a isso e não
deixa margem para dúvida: “...pois é serva de Deus...”.
A
palavra que Paulo usa aqui no original grego é διάκονος [diáconos] e significa
exatamente o que você está pensando. Da mesma forma que a diaconia foi
instituída em Atos 6, para servir na igreja local, o estado foi constituído
para servir a Deus. E como o estado serve a Deus? O nosso texto responde. O
estado é “agente de punição de ira contra quem pratica o mal” e o agente de
exaltação para quem faz o bem, “Faze o bem e receberás o louvor dela”. É para
isso que o estado serve: punir o mal e exaltar o bem.
Enquanto
a família, escola, artes, igreja e trabalho também são servos de Deus,
desempenhando cada um a sua função, o estado tem a função de manter a ordem na
sociedade, de regular a convivência das pessoas através das leis, fazê-las
serem cumpridas e promover a justiça de Deus a partir da Sua Palavra. Pois é a
Palavra de Deus o padrão que Deus estabeleceu de justiça, equidade e retidão. E
a maneira de o estado punir o mal é usando a espada.
Matar
as pessoas é um pecado que as pessoas cometem. O assassinato é proibido nos Dez
Mandamentos, que foi dado para regular a relação entre as pessoas, ainda que
possa ser usado como uma fonte para o estado formular as suas leis.[1] O
fato é que o estado foi dotado por Deus com a prerrogativa de coibir o mal,
ainda que para isso o estado use a pena capital. A pena de morte, como
instrumento para punição do assassino, é bem anterior à lei que Moisés recebeu.
A
primeira referência à pena de morte está justamente após o Dilúvio a que Deus
subjugou a raça humana (Gn 9.6). O texto é muito claro. Quem matar deverá ser
punido com a própria vida. E, ao contrário, do que as pessoas más intencionadas
ou ignorantes argumentam, a pena de morte não banaliza a vida. Ao contrário, a
razão que Deus dá para um preço tão alto do assassinato é justamente o valor
que Ele dá a vida humana.
A
humanidade foi criada “à sua imagem e semelhança”, portanto trazemos a imago Dei na nossa vida. De alguma maneira
os homens expressam a Deus, porque foram criados para essa finalidade. Ainda
que manchados e deturpados pelo pecado, carregamos essa imagem de Deus naquilo
que somos e fazemos. É para preservar essa imagem de Deus e o valor do homem
para Deus, que Ele exige de Noé a justa paga pelo assassinato. “O sentido não
se refere apenas ao perpetrador, que é feito à imagem de Deus (...) a vítima
era alguém feito à imagem e de valor e importância inestimáveis. As pessoas
feitas à imagem de Deus não são mero refugo ou lixo.”[2]
Quando
a lei foi dada ao povo de Israel, e pena capital não foi revogada (Êx 21.25).
Em certa medida, foi até estendida atingindo as pessoas que adulteravam e até
mesmo filhos teimosos que se recusassem a obedecer a seus pais (Lv 20.10; Dt
21.88ss). Até mesmo a desobediência a uma ordem de Deus era punida com a pena
de morte e foi isso que aconteceu com Acã e sua família (Js 7.1, 26)[3].
Aqueles
que advogam a presença hodierna da pena de morte na sociedade normalmente são acusados
de não compreenderem o amor, a misericórdia e a justiça de Deus expressos no
Novo Testamente. Sistematicamente a argumentação contra a pena de morte está
associada ao ministério de Jesus, ao fato de termos que amar os nossos
inimigos, orar por eles e darmos a outra face. Diante do que Jesus fez, ter
morrido pelos nossos pecados, fica impossível defender a pena de morte. Será
mesmo que o Novo Testamento mostra isso?
Com
Jesus há várias passagens importantes para o nosso tema. No famoso Sermão do
Monte, Jesus reafirmou a pena de morte, porém isso não é percebido. Ele disse
que não tinha vindo para revogar a lei, mas para cumpri-la (Mt 5.17). Mais à
frente Ele disse que qualquer um matasse uma pessoa ou que se irasse contra
outra pessoa, veria ser levado a julgamento – pena de morte (Mt 5.21-22). O
Novo Testamento lida com a questão da pena de morte explicitamente, pelo menos
em dois episódios.
Em Atos 25, Paulo apresenta sua
defesa diante das acusações dos judeus, que não apresentaram nenhuma prova
contra ele, somente acusações verbais. Festo, que governou a Judeia, foi
confrontado por Paulo quando ele queria agradar os judeus e levar o “julgamento”
do apóstolo para Jerusalém. Sendo cidadão romano, Paulo apelou para que ele
fosse julgado no tribunal de César. Eis a sua argumentação no versículo 11: “Se,
pois, fiz algum mal e tenho cometido algum
crime digno de morte, não recuso morrer. Mas, se nada há daquilo de que estes
homens me acusam, ninguém pode me entregar a eles a fim de agradá-los. Apelo
para César.” (grifos meus).
É importante
reforçar o fato que a igreja está separada do estado. São instituições diferentes,
ambas criadas e reguladas por Deus, representantes dEle e também com funções
diferentes. Nesse sentido, “embora a Bíblia permita o uso da espada pelo
governo para propósitos civis, ela
não endossa o seu uso para finalidades espirituais.
A espada é para ser usada pelo estado,
não pela igreja.”[4]
Portanto, a instituição da pena de morte é exclusiva aos governantes, que são
constituídos por Deus – ainda que através do nosso voto.
[1] Para uma melhor compreensão
da influência dos Dez Mandamentos na legislação, veja Rosângela Zizler, Influência da ética judaico-cristã nos
ordenamentos jurídicos da atualidade, em https://jus.com.br/artigos/24834/influencia-da-etica-judaico-crista-nos-ordenamentos-juridicos-da-atualidade.
[2] Walter C. Kaiser Jr, O cristão e as questões éticas da atualidade,
Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 2015, p. 173.
[3] Norman L. Geisler, Ética cristã: alternativas e questões
contemporâneas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 2006, p. 205.
[4] Norman Geisler e Thomas
Howe, Manual de dificuldades bíblicas,
Editora Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2015, p. 294 (grifos dos autores).
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