domingo, 7 de outubro de 2018

Cristianismo e pena de morte - Parte 1


Por isso, quem recusa sujeitar-se à autoridade opõe-se à ordem de Deus, e os que fazem isso trarão condenação sobre si mesmos. Porque os governantes não são motivo de temor para os que fazem o bem, mas sim para os que fazem o mal. Não queres temer a autoridade? Faze o bem e receberás o louvor dela. Porque ela é serva de Deus para o teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não é sem razão que ela traz a espada, pois é serva de Deus e agente de punição de ira contra quem pratica o mal. Por isso é necessário sujeitar-se a ela, não somente por causa da ira, mas também por causa da consciência.
Romanos 13.2-5

            Em nosso primeiro texto vimos que os governantes são estabelecidos por Deus, com a instrumentalidade do nosso voto. Deus estabelece os governantes de tal maneira que Ele continua sendo soberano e, ao mesmo, nós somos responsáveis pelos atos que fazemos. Não somos robôs nas mãos dEle e nem como se fôssemos marionetes. Mas em Sua sabedoria e providência Ele “produz em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13).
            A perícope desse texto é tão polêmica quanto a primeira. Se no primeiro versículo o assunto da soberania de Deus/responsabilidade humana aparece, nesse trecho o papel do Estado aparece muito bem delineado por Deus. Se nos perguntamos para que serve o Estado, esses versículos nos indicam uma resposta. Não há muito consenso entre os evangélicos sobre a aplicação da pena capital. Há uma ala que defende que a pena de morte é inadmissível diante do amor de Jesus. Ao mesmo tempo, há cristãos que defendem a pena de morte e não veem nenhuma incompatibilidade com o amor de Jesus.
            É preciso entender essa passagem à luz de outras passagens, tanto passagens normativas e históricas, bem como em ambos os Testamentos. É importante deixar bem claro – e nisso parece haver concordância quase que geral – que a separação entre Igreja e Estado é essencial, visto que essas instituições têm papeis completamente diferentes. À Igreja de Jesus Cristo foi dada a incumbência de pregar o Evangelho, denunciar o pecado (inclusive do Estado) e apontar Jesus Cristo como o único e suficiente salvador dos homens. É a relação da pena de morte e do Estado que passo a analisar agora.
            A pena capital foi instituída na Bíblia muito antes da lei mosaica. Quando Noé saiu da arca e Deus fez uma aliança com ele, foram essas as palavras do criador: “Quem derramar sangue de homem, pelo homem o seu sangue será derramado...” (Gn 9.6). Portanto, a instituição da pena de morte como ato retributivo de um assassinato tem o aspecto da justiça mais elevada que conhecemos, a justiça de Deus. E ao contrário do que se possa imaginar, a pena de morte mostra a gravidade que é atentar contra a vida. O assassinato é punido com o rigor da perda da vida, porque mesmo para o assassino, a perda da sua vida é um ato trágico. E a razão para isso é a própria continuação do versículo, “...pois Deus fez o homem à sua imagem”.
            A dignidade da vida humana está justamente no fato de que somos a imagem de Deus. Com nenhum outro ser vivo Deus Se relaciona dessa forma. Como criaturas à Sua imagem, também somos representantes de Deus nesse mundo criado. A nós nos foi dado um mandato de cuidar desse mundo e de espelhar a glória de Deus. Mas ao pecar, o homem perdeu essa capacidade, não na sua totalidade, mas na sua essência. Nossa essência, nossa natureza está marcada pelo pecado e, por isso, nos afastamos de tudo o que diz respeito a Deus. Somos a Sua imagem, mas é como se o espelho estivesse quebrado e a imagem distorcida.
            Vou dar um salto bem grande na história bíblica agora e chegar diretamente em Jesus. Como ícone máximo do amor e expressão de Deus, Jesus Se encarnou e viveu a nossa vida, esteve sujeito a tudo que nos rodeia, mas nunca pecou e, por isso mesmo, Ele é nosso exemplo maior. Temos ouvido na nossa sociedade que Jesus é contra a pena a morte. Que a vida dEle demonstra que o cristianismo é contrário a tirar a vida de alguém. O que vemos e escutamos é que se as pessoas seguissem os passos de Jesus, a pena de morte jamais seria instituída, se quer pensada. Enfim, Jesus e pena de morte de morte são incompatíveis. Será?
            Jesus não foi contra as leis de Roma. Quando Ele foi instigado pelos fariseus sobre os altos – e injustos – impostos, Ele disse “dai a César o que é de César e a Deus o que é Deus” (Mt 22.21). Quando Jesus foi interrogado por Pilatos, esse governador “isentão” O lembrou que a vida dEle estava em suas mãos e que ele tinha autoridade para mandar matá-lO (Jo 19.10). E o que Jesus fez? Se insurgiu e esbravejou que a pena de morte era injusta? Jesus deu contra a autoridade de Pilatos, falando que o governo era corrupto e ilegítimo? Jesus apelou para instâncias superiores como o Senado romano reivindicando direito à vida? NÃO! Jesus reconheceu a autoridade de Pilatos em dizer aquilo e ainda disse que essa autoridade vinha de Deus (Jo 19.11).
            Olhemos agora para a crucificação de Jesus. Os soldados romanos estavam zombando, cuspindo e brincando com Suas roupas (Jo 19.23-24). Na mesma zombaria, o povo dizia impropérios a Jesus (Lc 23.35). Ao lado dEle, dois ladrões que, de acordo com as leis, estavam condenados à morte. E o que Jesus fez? Pediu a Deus que os soldados fossem perdoados (Lc 23.34), orou pela multidão e pelas mulheres que acompanhavam a crucificação (Jo 23.28-31) e só! Mais uma vez Jesus não deu contra a lei romana da crucificação. Ele não apelou, não gritou contra a “injustiça” da pena capital. Mesmo depois de ter demonstrado profundo amor pela multidão que O seguia e por seus mais ferozes algozes, Ele não foi contra a pena de morte.
            Vamos continuar no momento da crucificação. Com um dos ladrões Jesus nem conversou, não dirigiu a palavra. Ele O zombava, escarnecia e Jesus manteve-se quieto. O outro ladrão reconheceu que a condição deles era justa por causa dos crimes que tinham cometido (Jo 23.40-41). Nem ele ficou vociferando contra Roma, mas reconheceu a justa paga dos seus crimes. Mas esse ladrão se voltou para Jesus arrependido e clamou por salvação, ao passo que Jesus reconheceu seu arrependimento e contrição e lhe garantiu a salvação para aquele mesmo dia (Jo 23.43). E o mais surpreendente ainda é que, mesmo sendo injusta a condenação de Jesus por parte dos judeus e romanos, Jesus ficou quieto. Jesus não apelou para os zelotes. Jesus não incitou aquela multidão toda a derrubar o governo. Jesus não vociferou contra o governo. Ele não botou o dedo na cara de Pilatos e o chamou de golpista, safado, ladrão ou algo que o valha.
            Jesus, a expressão máxima do amor de Deus é também a expressão máxima da Sua justiça, da sua equidade e retidão. Jesus, “a exata expressão do Deus Pai”[1], deixou muito clara a separação entre Sua Igreja – noiva amada – e o Estado. Tanto Sua Igreja quanto o Estado, instituições divinas com finalidades diferentes e ambas para a Sua glória. Mas esse será o tema do próximo texto. Até lá!


[1] Trecho da música Desde o princípio. Letra de Guilherme K. Neto e música dele, Jorge Rehder e Jorge Camargo. Cantata Vento Livre, IBMorumbi Produções, 1985, distribuição Vencedores por Cristo.

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